sábado, 8 de novembro de 2014

Joga Pedra no Juiz, ele é bom de apanhar, ele é bom de cuspir


Desde agosto de 2013 eu não escrevia no blog, a vida de magistrado é escrever, mas escrevemos tanto nos processos (muito mais pela quantidade de processos do que pelo quantidade do que escrevemos) que escrever outra coisa acaba saindo da nossa cabeça.
Mas, o que me levou a voltar a escrever? Um tema que, para usar uma expressão da moda, “mobilizou” as redes sociais.
Não vou falar dos principais envolvidos o colega juiz e a servidora do DETRAN, não, para esses do TJRJ já falou, cabe aos insatisfeitos as vias recursais próprias, vou falar dos outros.
Sim, dos outros, eles que mobilizaram as redes sociais, e por quê? Sim o meu questionamento é o motivo pelo qual todos generalizam condutas individuais à todo o serviço público. Eu, pessoalmente, já estou acostumado com isso, afinal, estou no serviço público há dez anos, mas ainda fico buscando motivos para explicar certas coisas.
Mas depois de ver os comentários, alguns destilando tamanha cegueira, que me faz duvidar da capacidade de certas pessoas em compreender o papel do Judiciário da sociedade, me fez lembrar de uma música de Chico Buarque “Geni e o Zepelim” que conta a história de Geni hostilizada por todos, mas que, mesmo assim, mesmo após ser apedrejada, ser cuspida, apanhar, ainda assim, salva o dia.
O Judiciário é a Geni da vez, lembra da Geni da letra de Chico Buarque? Pois bem, o Poder Judiciário é a vidraça, àquele a em que jogam pedras, que é feito para apanhar, é bom de cuspir.
São vários fatores, mas, para mim o maior de todos é que o Judiciário é o poder que diz NÃO. Em todos os processos, pelo menos para uma das partes (às vezes para as duas) o juiz diz não, diz não àquela esperança que a parte levou ao Judiciário e não importa que a parte não tivesse o direito, que a promessa da Constituição não foi materializada pela Legislador ou pelo administrador, não importa se pretendeu somente protelar aquela dívida, ou que foi iludida sobre um direito que, efetivamente, nunca teve, no fim é o Juiz que vai dar o não.
Não nos esqueçamos que um dos fatores da raiva é não termos nossas expectativas concretizadas, os juízes que, como eu, tem o hábito de sentenciar em audiência vislumbram isso diariamente, pois ao ter frustrada a sua expectativa, o objeto da raiva é o homem, não o Estado, é a pessoa que lhe quebrou a expectativa.
E o não para um povo que está acostumado à ouvir sim dos políticos (ainda que depois não cumpram) é algo terrível, ainda mais quando se soma isso ao empoderamento que a internet permite leva à essa aparente raiva generalizada contra o judiciário.
Em um país onde existem 96 milhões de ações em tramite na Justiça Brasileira, praticamente uma para cada dois brasileiros, não é difícil fazer a conta de quantos tiveram que ouvir o temido não, e, hoje só tem as redes para destilar a raiva que aquele não gerou, não os culpo, nem mesmo me ofendo pois faz parte da missão de julgar lidar com as críticas (justas e injustas), não à toa a magistratura, o magistério e o sacerdócio são mais vocações que profissões.
Mas fique tranquilo o Judiciário é mesmo a Geni pois mesmo apanhando, mesmo sendo acusados de não trabalhar, ainda que sejamos os juízes que mais produzem no mundo, mesmo que as pessoas confundam a seriedade e introspecção que a atividade diária de julgar o seu semelhante trás, com arrogância, mesmo com as cusparadas, na segunda-feira milhares de juízes irão acordar cedo e dormir tarde só para materializar os direitos do mesmo povo que lhe apedreja, e , como na música em Geni salvou a cidade, na segunda os juízes vão garantir os seus direitos, sem rancor, sem ódio, os juízes vão acordar para trabalhar por você, que atirou pedras, que cuspiu, mas é para isso que serve a Geni, afinal  “Ela é feita pra apanhar”.
Enfim, caro leitor não me leve à mal, este texto é sim um desabafo contra tudo o que eu vejo sendo dito de inverdades contra o Poder que o maior erro é dizer não, quando os outros prometem o sim, é um desabado de um juiz que no sábado, uma e meia da manhã, está trabalhando analisando um pedido de medicamentos, isso, materializando o direito à saúde, que acorda cedo  e dorme tarde todos os dias, para que os processos tenham o seu andamento, é um desabafo de milhares de maridos e esposas, pais e mães, filhas e filhos que apesar de ouvir as suas frases de ódio acordam e dormem pensando em você, em seus direitos.



Rogerio de Vidal Cunha

Juiz de Direito
Professor Universitário




3 comentários:

Ademar Mendes Bezerra disse...

O Judiciário de há muito é o saco de pancada daqueles que procuram Justça. Lembro-me da despedida do Ministro José Paulo Sepulveda Pertense, ao afirmar que os Juizados Especiais eram os responsáveis pelo,prestígio da Justiça Brasileira. Processos que duravam anos eram resolvidos de pronto. Foram tantos os pleitos que os tornaram lugar comum. Por que? Por causa dos recursos como vem de afirmar a Ministra Carmen Lúcia. A demora interessa aos poderosos. Quanto mais demorado melhor para eles. Virgílio Augusto de Moraes falecido em 1914, notável Advogado, costumava dizer que toda causa tem três dês: é Demorada, Dispendiosa e Duvidosa e eu acrescentei mais um, é Desastrosa quando você ganha o que pleiteou junto ao Poder Publico, vai para o malfadado Precatório e você não raras vezes morre e não recebe. Ademar Mendes Bezerra - Desembargador Aposentado do TJCE e Professor da Faculdade de Direito da UFC.

Ademar Mendes Bezerra disse...

O Judiciário de há muito é o saco de pancada daqueles que procuram Justça. Lembro-me da despedida do Ministro José Paulo Sepulveda Pertense, ao afirmar que os Juizados Especiais eram os responsáveis pelo,prestígio da Justiça Brasileira. Processos que duravam anos eram resolvidos de pronto. Foram tantos os pleitos que os tornaram lugar comum. Por que? Por causa dos recursos como vem de afirmar a Ministra Carmen Lúcia. A demora interessa aos poderosos. Quanto mais demorado melhor para eles. Virgílio Augusto de Moraes falecido em 1914, notável Advogado, costumava dizer que toda causa tem três dês: é Demorada, Dispendiosa e Duvidosa e eu acrescentei mais um, é Desastrosa quando você ganha o que pleiteou junto ao Poder Publico, vai para o malfadado Precatório e você não raras vezes morre e não recebe. Ademar Mendes Bezerra - Desembargador Aposentado do TJCE e Professor da Faculdade de Direito da UFC.

Ademar Mendes Bezerra disse...

O Judiciário de há muito é o saco de pancada daqueles que procuram Justça. Lembro-me da despedida do Ministro José Paulo Sepulveda Pertense, ao afirmar que os Juizados Especiais eram os responsáveis pelo,prestígio da Justiça Brasileira. Processos que duravam anos eram resolvidos de pronto. Foram tantos os pleitos que os tornaram lugar comum. Por que? Por causa dos recursos como vem de afirmar a Ministra Carmen Lúcia. A demora interessa aos poderosos. Quanto mais demorado melhor para eles. Virgílio Augusto de Moraes falecido em 1914, notável Advogado, costumava dizer que toda causa tem três dês: é Demorada, Dispendiosa e Duvidosa e eu acrescentei mais um, é Desastrosa quando você ganha o que pleiteou junto ao Poder Publico, vai para o malfadado Precatório e você não raras vezes morre e não recebe. Ademar Mendes Bezerra - Desembargador Aposentado do TJCE e Professor da Faculdade de Direito da UFC.

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