terça-feira, 17 de abril de 2007

RHC 89624 / RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EM HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 10/10/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma DJ 07-12-2006 PP-00053 EMENT VOL-02259-03 PP-00511 EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL MILITAR. 1. Os bens subtraídos pelo Paciente não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato denunciado. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora Recorrente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 2. Recurso provido.

COMENTÁRIO:

O direito penal moderno, não mais admite a tipicidade meramente formal, ou seja, a mera subsunção do fato à descrição abstrata prevista em lei, como o era aos tempos do naturalismo( causalismo) claramente influenciado pela doutrina positivista e por uma visão ôntica do direito, necessária no final do século 19 e começo do século 20 para que o direito se firmasse como ciência perante os outros ramos do conhecimento cientifico, mas totalmente desmistificada pelos jus-filósofos do século 20. A tipicidade assim não deve ser vista somente como enquadramento da conduta ao tipo legal abstrato mas também como necessária violação efetiva do bem jurídico tutelado, ou ainda, a criação de riscos não permitidos( imputação objetiva). Assim, pode-se dizer que coexistem na estrutura do crime duas tipicidades, uma meramente formal( ôntica) e outra material ( normativa) não bastando, portanto, a mera adequação formal da conduta à previsão típica abstrata é necessário que haja efetiva violação material da norma.

No caso julgado pelo STF, o STM, não proveu ao Habeas Corpus impetrado perante a corte castrense, ao argumento de que dever-se-ia aguardar a instrução, não sendo o HC meu hábil de discutir prova complexa. Repassando esse entendimento à teoria do crime, percebe-se que o STM entendeu que a tese de insignificância da conduta não estaria na tipicidade , posto que, se assim fosse , poderia ter sido analisada diretamente pelo Magistrado( CPPM , art. 78, “b”), mas sim, de desvalor da conduta, ou seja, de culpabilidade, a ser analisada na sentença. O STF corrigiu esse entendimento e determinou o trancamento da Ação Penal Militar por não vislumbrar na conduta do agente potencialidade lesiva aos bens jurídicos tutelados( primariamente o patrimônio, e subsidiariamente a Hierarquia e Disciplinas na caserna). Como assevera Roxin(Proteção de bens Jurídicos e liberdade individual na encruzilhada da dogmática jurídico-penal, in Proteção de Bens Jurídicos como função do direito penal, trad. CALLEGARI, André, Ed. Do Advogado, p. 39) consistindo a missão do direito penal na proteção de bens jurídicos , então o injusto penal deve manifestar-se como menoscabo de um bem jurídico, isto é, como lesão ou colocação em risco de um bem jurídico”, e conclui mais adiante que em assim sendo “ se produz, por sua vez, um giro do ôntico ao normativo”. Partindo-se da concepção de ROXIN da finalidade do direito penal como sendo a proteção subsidiária dos bens jurídicos, não se pode admitir que exista tipicidade material na conduta que , sequer de longe, é capaz de causar dano ou criar risco não permitido ao bem jurídico. Essa posição no âmbito do direito penal militar , deve ser mais seguida ainda, pois esse é um dos poucos ramos do direito( talvez junto ao Direito Ambiental e Eleitoral) em que existem sanções de natureza não-penal eficientes na proteção dos bens jurídicos , que no DPM são as Punições Disciplinares. Desse modo sempre que a punição disciplinar puder corrigir de forma eficiente essa ofensa insignificante ao bem jurídico, não há fundamento para a incidência do direito penal, como corretamente fez o Supremo.

Nenhum comentário:

Seguidores