
O desentendimento entre um juiz federal e policiais civis da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), terminou na Quinta Delegacia do centro do Rio de Janeiro, informa O Globo. O juiz federal Roberto Dantas Schuman de Paula diz que os policiais agiram com abuso de poder. Já os agentes, por sua vez, acusam o juiz de desacato.
O juiz contou que pegou um táxi de sua casa até a Lapa para encontrar a namorada. Quando desceu do carro, estava no celular quando foi abordado pelos políciais. Eles estavam em um carro com os faróis apagados, afirma. Os políciais buzinaram, chamando Schuman de maluco e mandaram que saísse da rua. O juiz disse que questionou a atitude deles e nisso os policiais desembarcaram da viatura.
Já a versão dos agentes é de que o juiz ao ser repreendido para sair da rua teria xingado os policiais. Houve bate-boca e os policiais deram voz de prisão para Schuman que foi algemado. Ele afirmou que se identificou como sendo juiz federal, mas que os policiais duvidaram disso e disseram que iriam levá-lo para a delegacia, colocando-o na caçapa da viatura.
Na Quinta delegacia, todos os envolvidos foram ouvidos e liberados em seguida. O juiz disse que vai abrir um procedimento contra os policiais junto à Corregedoria da Polícia Civil.
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2008
COMENTÁRIO: Antes de defender ou de acusar alguém, o que mais me chama a atenção na notícia e é sob esse aspecto que analiso, é a questão do uso de algemas.
O que sempre observei, desde os meus tempos de advogado é que a algema tem para a população a natureza estigmatizante, ou seja, quem está algemado o está por representar perigo, é uma fera que deve ser contida antes que ataque a coletividade indefesa.
Mas por outro lado, a grande maioria dos clientes que defendi quando presos não eram feras, muito menos animais que deveriam permanecer presos, afastados do grupo social, pelo contrário, vários dos indivíduos presos, ainda mais quando se tratam de crimes de menor potencial ofensivo não representam riscos sequer para os seus captores quanto mais para a sociedade.
Mas então por que o uso indiscriminado de algemas?
E mais, por que passados mais de 25 anos da Lei de Execuções Penais o seu art. 199 (O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal) não foi regulamentado?
Até hoje a única regra federal sobre o uso de algemas é a previsão do art. 234, § 1º, do CPPM, que determina que "o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso".
Ora essa deve ser a luz dos agentes da autoridade policial ao proceder a captura de qualquer indivíduo sopesar se existe o risco de fuga ou de agressão por parte do preso, aliás é o que dispõe o Decreto Paulista n.º 19.903, de 30.10.1950, bem como é o que reza, no estado do Rio de Janeiro a Portaria nº 288/JSF/GDG, de 10.11.1976 (DORJ, parte I, ano II, nº 421), ainda que relativa ao sistema penitenciário, mas que é aplicável por óbvio aos casos de flagrante, pois se limita o uso de algemas aos presos com título judicial formado legitimando a sua prisão, mais ainda aos que sequer tem contra si formado um título judicial de custódia.
O mais grave é que esse último ato expressamente proíbe o uso de algemas nas pessoas referidas no Art. 242 do CPPM, mesmo que submetidas à Jurisdição Comum.
Vejamos quem são essas pessoas:
Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível:
a) os ministros de Estado;
b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;
c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados;
d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei;
e) os magistrados;
f) os oficiais das Fôrças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os ministros de confissão religiosa.
Portanto, antes mesmo de se analisar a questão da proporcionalidade cabe aos policiais, que são agentes do Estado conhecer as normas legais básicas.
Mas, mesmo que não fosse o caso, o uso de algemas não é ato arbitrário do agente policial, é, quanto muito discricionário, ou seja, o legislador lhe permite a escolha entre o uso ou não de algemas, desde que respeitada a proporcionalidade da medida.
Aliás, essa é a posição pacífica do STF , como decidido no HC 89429 / RO , DJ 02-02-2007 ,
- EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido.
- O STJ pensa o mesmo:
-
"Uso de algemas. Avaliação da necessidade – A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a periculosidade do acusado. Recurso provido". (RHC nº 5.663-SP, 6ª Turma, j. 19.87.1996, rel. Min. William Patterson, v.u., DJU 23.9.1996, pág. 35.157).
Me parece que é um assunto que exige mais atenção que lhe tem sido dado, pois não é uma questão de corporativismo( até por que não sou Juiz), mas sim de preservar as garantias fundamentais de qualquer cidadão.
4 comentários:
Me veio a memória um juiz que matou um segurança num super-mercado, e o promotor que sentiu ciúmes por ter a namorada cobiçada por alguns jovens, e descarregou o pente de sua pistola. Também me vem à memória, aquele juiz que superfaturou uma pequena obra em SP...
Quanto aos policais do CORE, eles são outros "estúpidos" (em sua maioria, não tiveram acesso a educação como os nobres juizes)...mas dúvido que o juiz envolvido tenha agido como ele descreve no rídiculo comunicado a imprensa...
Gostaria de encontrar a palavra "respeito" tendo sentido neste país que vivemos...mas o poder executivo, judiciário e legislativo não permitem isso!!!
Com todo respeito e atenção...
Um leigo, chamado David!
Meu caro David, em momento algum o blog fez defesa do Juiz, ou acusação ao CORE, o amigo deveria ter lido a postagem com um pouco mais de carinho, onde perceberia que a notícia foi o mote para debater-se o uso de algemas pelos agentes da autoridade policial.
Quanto ao acesso à educação dos membros do CORE, dificilmente , hoje, encontramos um agente de policia civil que não seja bacharel em direito, portanto, são portadores, em sua maioria, da mesma titulação dos Juízes, Promotores, Delegados, Analistas Judiciários, etc.
A questão não é se o Juiz agiu com respeito ou não, isso é afeto ao mérito da acusação criminal, mas sim se o Juiz, ou qualquer outro cidadão, inclusive você mesmo, naquela situação apresentava risco de fuga ou de agressão aos policiais.
Fora desses casos, não há legitimidade para o uso de algemas.
O que o amigo deveria ter mente é que se os referidos policiais tiveram tal atitude com um membro da Magistratura, imagine como seria o comportamenta diante de uma pessoa de uma classe social mais baixa?
Grande abraço e obrigado por aparecer
Quem sou eu pra navegar contra a maré, mas estou em via de defender uma tese (Penal, lato sensu) onde demonstro, resumindo aqui, que o uso de algemas no serviço policial é um fator preventivo tanto para os condutores como para os conduzidos, pois evita que os policiais precisem usar mais força que o necessário. Fora isso, onde está escrito que a condição intelectual, social e/ou econômica é fator impeditivo de reações exarcebadas? Não é melhor prevenir que remediar?
caro amigo anônimo, quando desenvolver a sua tese, por favor, nos mande uma cópia para, se quiser, é claro, ser publicada, pois este espaço, antes de tudo, é democrático e teremos prazer de publicá-la.
Abraços
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