quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Flatulência de empregado não é motivo para justa causa

ACÓRDÃO Nº:  20071112060                Nº de Pauta:385                              
PROCESSO TRT/SP Nº:  01290200524202009                                               
RECURSO ORDINÁRIO  - 02 VT de Cotia                                                  
RECORRENTE:  Coorpu's Com Serv de Produtos Para Estet                                
RECORRIDO:  Marcia da Silva Conceição                                                
                                                                                     
                           EMENTA                                                    
          PENA  DISCIPLINAR.  FLATULÊNCIA NO LOCAL                                   
          DE  TRABALHO.  Por  princípio, a Justiça                                   
          não  deve  ocupar-se  de  miuçalhas  (de                                   
          minimis   non  curat  pretor).  Na  vida                                   
          contratual,   todavia,  pequenas  faltas                                   
          podem   acumular-se   como   precedentes                                   
          curriculares  negativos,  pavimentando o                                   
          caminho para a justa causa, como ocorreu                                   
          in   casu.   Daí   porque,   a   atenção                                   
          dispensada  à  inusitada advertência que                                   
          precedeu   a   dispensa  da  reclamante.                                   
          Impossível   validar   a   aplicação  de                                   
          punição  por  flatulência  no  local  de                                   
          trabalho,  vez  que  se  trata de reação                                   
          orgânica natural à ingestão de alimentos                                   
          e  ar,  os  quais, combinados com outros                                   
          elementos  presentes  no  corpo  humano,                                   
          resultam  em  gases  que  se acumulam no                                   
          tubo    digestivo,   que   o   organismo                                   
          necessita  expelir,  via  oral  ou anal.                                   
          Abusiva  a presunção patronal de que tal                                   
          ocorrência  configura  conduta  social a                                   
          ser   reprimida,   por   atentatória   à                                   
          disciplina   contratual   e   aos   bons                                   
          costumes.   Agride   a  razoabilidade  a                                   
          pretensão de submeter o organismo humano                                   
          ao  jus  variandi,  punindo  indiscretas                                   
          manifestações  da flora intestinal sobre                                   
          as  quais empregado e empregador não têm                                   
          pleno domínio. Estrepitosos ou sutis, os                                   
          flatos nem sempre são indulgentes com as                                   
          nossas    pobres   convenções   sociais.                                   
          Disparos  históricos  têm  esfumaçado as                                   
          mais  ilustres  biografias.  Verdade  ou                                   
          engenho  literário, em "O Xangô de Baker                                   
          Street"  Jô Soares relata comprometedora                                   
          ventosidade  de D. Pedro II, prontamente                                   
          assumida  por  Rodrigo  Modesto Tavares,                                   
          que por seu heroísmo veio a ser regalado                                   
          pelo  monarca  com  o  pomposo título de                                   
          Visconde  de  Ibituaçu  (vento grande em                                   
          tupi-guarani).  Apesar  de  as regras de                                   
          boas  maneiras e elevado convívio social                                   
          pedirem  um  maior controle desses fogos                                   
          interiores,  sua  propulsão  só pode ser                                   
          debitada    aos    responsáveis   quando                                   
          deliberadamente  provocada.  A imposição                                   
          dolosa,  aos  circunstantes, dos ardores                                   
          da flora intestinal, pode configurar, no                                   
          limite,    incontinência   de   conduta,                                   
          passível  de punição pelo empregador. Já                                   
          a   eliminação   involutária,  conquanto                                   
          possa   gerar  constrangimentos  e,  até                                   
          mesmo,  piadas e brincadeiras, não há de                                   
          ter  reflexo  para  a  vida  contratual.                                   
          Desse  modo,  não  se  tem como presumir                                   
          má-fé  por parte da empregada, quanto ao                                   
          ocorrido,  restando  insubsistente,  por                                   
          injusta   e   abusiva,   a   advertência                                   
          pespegada,  e  bem  assim, a justa causa                                   
          que lhe sobreveio.    

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Fonte: TRT 2a Região( acórdão) e Comunidade Oficiais de Justiça Federais do Orkut
COMENTÁRIO: Bom, apesar da aparente natureza ridícula da decisão ela reflete algo que acontece muito no âmbito do direito do trabalho, que é o abuso do jus variandi, que é o poder que tem o empregador de proceder modificações no contrato de trabalho, em especial a sua rescisão imotivada ( já que o Brasil adota o sistema da denúncia vazia para o contrato de trabalho). Como a decisão imotivada impõe uma série de ônus ao empregador( multa de 40% sobre o FGTS, 13º salário proporcional, férias proporcionais, etc...) muitos abusam do seu jus variandi e buscam criar motivos para a demissão por justa causa. O caso em tela, não só não é caso de demissão por justa causa, mas é caso e abuso do jus variandi, permitindo até mesma a indenização, por danos morais , ao empregado. Délio Maranhão afirma, em obra fundamental do Direito do Trabalho (Instituições), escrita em parceria com demais figuras luminares deste ramo jurídico: “Em face do art. 468 da Consolidação, no direito brasileiro o ‘jus variandi’ somente poderá ser admitido dentro de limites muito estritos, sob pena de se tornar letra morta essa disposição legal, viga mestra de nossa legislação do trabalho e principal garantia do empregado contra o arbítrio do empregador. A não ser, portanto, nos casos em que a lei expressamente o autorize, a alteraçao das condições de trabalho, em virtude de ato do empregador, não poderá ser tolerada, salvo a título excepcional, em situação de emergência e em caráter transitório, quando a recusa totalmente, aliás, injustificada, importe absoluta falta de espírito de colaboração; quando, para usarmos a expressão marcante de Barassi, a própria ‘dignidade do trabalhador’ viesse a ser comprometida pelo seu comportamento. (...) O ‘jus variandi’ não é sinônimo de arbítrio do empregador: só se legitima quando corresponde a uma necessidade real da efetivação desses fins.”

Um comentário:

Osc@r Luiz disse...

Alô meu amigo,

Recebi isso por email e vou postar nessa semana. E já tinha planejado vir aqui te avisar assim que postasse, mas você chegou primeiro.
Hehe!
Muito bom!
Um abraço!

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