Soldado do exército que já foi punido por seu crime, com trânsito em julgado pelo juizado especial de pequenas causas de Coxim (MS), F.P.M.L. teve pedido de Habeas Corpus (HC 86606) concedido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Com a decisão, foi declarado extinto o processo penal militar contra o soldado, em curso na 9ª Circunscrição Militar de Mato Grosso do Sul (MS).
Conforme consta nos autos, o soldado foi processado pela prática de crime corporal leve, tendo aceitado proposta de transação penal sugerida pelo Ministério Público Estadual (MPE), “consistente na doação de R$ 260,00 ao conselho da comunidade”. Prossegue a ação relatando que, após o cumprimento integral das condições estabelecidas na transação, o juizado especial de pequenas causas de Coxim (MS) declarou a extinção da punibilidade de F.P, com trânsito em julgado.
Ainda conforme os autos, o Ministério Público Militar denunciou o soldado pela prática do mesmo crime, tendo a denuncia sido recebida pelo juízo da auditoria da 9ª Circunscrição Militar do MS. Ao analisar o processo, o órgão militar declarou a existência de coisa julgada na espécie, e determinou o arquivamento dos autos.
Arquivada a ação, os autos foram remetidos de oficio ao Superior Tribunal Militar (STM), que cassou a decisão e determinou o prosseguimento do processo na 9ª Circunscrição, alegando que a justiça comum não teria competência para julgar o caso.
Defesa
A defesa argumentou que uma decisão em favor do soldado, neste habeas corpus, significaria a valorização da garantia constitucional da coisa julgada, reconhecendo que a atuação estatal já foi consumada em decisão penal definitiva, não podendo mais ser determinada a continuação da nova persecução militar. O advogado disse também que ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato.
Voto da relatora
Para a relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, a adoção do principio do ‘ne bis in idem’ [ninguém será julgado duas vezes pelo mesmo delito] pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as garantias individuais previstas na constituição, “cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que o direito à liberdade com apoio em coisa julgada material prevalece sobre o dever estatal de acusar”.
Para ela, a extinção da punibilidade do soldado F.P. com trânsito em julgado, impede que se dê prosseguimento ao processo que tramita na auditoria da 9ª Circunscrição Militar de MS, “mesmo quando se trate de hipótese de nulidade absoluta”.
Por fim, a ministra ressaltou constar nos autos relatos de que o delito teria ocorrido em momento em que os dois militares encontravam-se à paisana (trajes civis), em frente à casa da vítima, não se justificando, assim, o entendimento de que a justiça militar seria competente para a persecução penal.
Dessa forma, a relatora votou no sentido de conceder a ordem, para cassar o acórdão proferido pelo STM e julgar extinto o processo penal militar contra o soldado, em curso na 9ª Circunscrição Militar de MS. Ela foi acompanhada pelos demais ministros presentes à sessão.
COMENTÁRIO: A matéria não é nova no âmbito do STF, pois já foi apreciada anteriormente no HC 83003-RS, mas ainda é atual e interessante.
Pois bem, é comum existirem desentendimentos entre militares da ativa das FFAA, fora de área sujeita administração militar, ou mesmo fora de serviço. Na grande maioria dos casos assim quem produz o atendimento é a Polícia Militar ou a Polícia Judiciária Civil. Em ambos os casos, sendo o crime cometido de lesões corporais tais autoridade policiais lavrarão o competente termo circunstanciado, na forma do art. 69 da Lei 9.099/95.
Como, infelizmente, a maioria dos Juizes da Justiça Comum não possuem o conhecimento necessário de Direito Penal Militar é olvidada a natureza de crime militar da conduta( Art. 9o, II, “a” do CPM) e inicia-se o procedimento criminal perante o Juizado Especial Criminal.
Se o acusado rejeitar os institutos despenalizadores da lei e , posteriormente, observar-se a competência da Justiça Militar, a questão resolve-se com a mera anulação do processo penal, por incompetência absoluta do JECrim, e remessa dos autos à Justiça Militar.
Contudo, e quando o acusado aceita a transação penal, ou composição civil dos danos, ou o mesmo aceita a suspensão condicional do processo e a cumpre na integralidade, e vê é declarada extinta a sua punibilidade?
O que ocorre é o fato de que em todos os casos acima a coisa julgada material não mais permite a discussão de qualquer questão em prejuízo do acusado, nem mesmo a incompetência absoluta do JECrim.
Esse não foi a posição inicial do STF , tanto que no Julgamento do HC 84027-RS, entendeu que a incompetência absoluta impediria a formação da coisa julgada material, aliás, essa decisão serviu de paradigma ao STM para reformar a decisão da Auditoria da 9a CJM de arquivamento do IPM.
Contudo, desde a decisão proferida no HC 87869-CE, de 28/11/2006 a Corte Excelsa mudou o seu entendimento, para firmar a posição de que a coisa julgada material cobre qualquer vício de nulidade, ressalvado o de citação que é vício perpétuo.
Não se admite , por questões de segurança jurídica, que, extinta a punibilidade do acusado seja o mesmo novamente processado pelo mesmo fato não por outra razão segundo Mirabete, a coisa julgada se fundamenta no princípio non bis in idem. (MIRABETE, 1996 p. 219).Paulo Lúcio Nogueira explica melhor tal princípio afirmando que "a coisa julgada tem afinidade com a litispendência porque ambas se fundam no princípio da duplicidade de processo sobre o mesmo fato criminoso ou no princípio do non bis in idem (NOGUEIRA, 1995, p. 134). O mesmo escritor diz que "o finamento da coisa julgada está na segurança e estabilidade da ordem jurídica." correto o entendimento do nobre jurista porque se não houvesse a coisa julgada, não veríamos jamais o fim de um litígio, visto que sempre haveria uma revisão de julgamento por uma instância superior.
Assim, mesmo que absolutamente incompetente a Justiça Comum, para processar crime enquadrado como militar, se processado o acusado e , por qualquer motivo tiver a sua punibilidade extinta, tal decisão faz coisa julgada, não se admitindo seja ele novamente processado mesmo que pela Justiça Competente para tanto.
Devemos lembrar sempre que as regras de competência são decorrentes do princípio do Juiz Natural e do Devido Processo Legal, ou seja, são garantias em favor do acusado, justamente para que tenha segurança e certeza jurídica de que será sempre processado pela Autoridade correta, em sendo garantia do acusado nunca pode ser desvirtuada para retirar-lhe justamente a essência que busca garantir, a segurança jurídica.
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