No Direito Civil
brasileiro, quando o verdadeiro culpado por um dano é alguém que não foi
atingido na ação de indenização, contra ele cabe a chamada ação
regressiva. Com o Estado, não é diferente, conforme disposto no artigo
37, parágrafo 6º, da CF/88.
Sobre o tema, o
STJ possui diversas decisões, nas áreas do Direito público e privado.
Firmou jurisprudência, entre outras questões, sobre a obrigatoriedade de
o verdadeiro culpado figurar na ação de indenização; se é possível a
regressiva quando o processo termina em acordo, e sobre como tratar o
servidor público responsável por um dano reparado pelo erário.
Erro médico
Em uma ação de
indenização por erro médico, o estado do RJ tentou incluir no processo
os responsáveis pelo erro que provou a morte da paciente em hospital
público. O pedido foi negado pela 1ª turma sob entendimento que a
denunciação da lide a servidor público nos casos de indenização fundada
na responsabilidade civil objetiva do Estado não deve ser considerada
obrigatória, pois geraria grande prejuízo ao autor da ação devido à
demora na prestação jurisdicional.
Esse entendimento
evita que no mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade
objetiva, seja necessário verificar a responsabilidade subjetiva do
causador do dano. Essa segunda análise, de acordo com os ministros, é
irrelevante para o eventual ressarcimento do autor. A decisão ressalta
que o direito de regresso do ente público em relação ao servidor, nos
casos de dolo ou culpa, é assegurado pelo artigo 37, parágrafo 6º, da
CF, que permanece inalterado ainda que a denunciação da lide não seja
admitida (REsp 1.089.955).
Hospital privado
Condenada a
indenizar um paciente em R$ 365 mil por dano moral, a Unimed Brasília
Cooperativa de Trabalho Médico ajuizou ação regressiva contra o médico
responsável pelo erro. A Justiça do DF julgou a ação procedente, por
entender que ficou comprovada a culpa do médico, que recorreu ao STJ
alegando cerceamento de defesa pois não houve denunciação da lide na
ação de indenização contra o hospital, não tendo chance de se defender.
Argumentou que a falta de denunciação da lide inviabiliza a ação de
regresso contra ele.
Para a 4ª turma,
está correta a decisão da Justiça do DF, que reconheceu a desnecessidade
de denunciação da lide ao médico. Conforme jurisprudência do STJ, a
responsabilidade do hospital pelos danos causados por profissional que
nele atua é objetiva, independendo de dolo ou culpa. O dever de
indenizar decorre apenas da existência do dano. Uma vez condenado, o
hospital pode averiguar a responsabilidade subjetiva do médico.
Quanto ao prazo
de prescrição da ação regressiva, a decisão ressalta que prescreve em
três anos a pretensão de reparação civil e que, em caso de ação de
regresso por quem reparou o dano contra o seu efetivo causador, esse
prazo começa a contar do pagamento da indenização (AResp 182.368).
Furto de veículo
Em caso de
veículo segurado, a seguradora contratada pelo consumidor tem que
indenizá-lo por furto ou roubo mesmo se o furto tiver ocorrido dentro de
garagem. Nas relações de consumo, o STJ entende que é proibida a
denunciação da lide em todas as hipóteses de ação de regresso, conforme
estabelece o artigo 88 do CDC.
Em caso julgado pela 3ª turma, depois de pagar a indenização, a
seguradora ajuizou ação regressiva contra o estabelecimento garagista,
que também possuía seguro.
Em 1º grau, a
regressiva foi julgada procedente e o dono do estacionamento teve que
ressarcir os R$ 42,5 mil pagos pela seguradora. Na apelação, o TJ/SP
julgou a ação improcedente por entender que se tratava de caso fortuito
que determina a não incidência da responsabilidade civil. A 3ª turma
restabeleceu a sentença sob entendimento de que "não há como considerar o
furto ou roubo de veículo causa excludente da responsabilidade das
empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na medida em que a
obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria
atividade por elas desenvolvida" (Resp 976.531).
Acordo judicial
Ação de
indenização concluída com acordo judicial permite à parte pagadora
ajuizar ação regressiva para ter o valor restituído pelo efetivo
responsável pelo dano. A questão foi discutida num REsp da Vega
Engenharia Ambiental contra decisão que beneficiou a Vicasa - Viação
Canoense, do RS.
De acordo com o
processo, o motorista de um caminhão de lixo da Vega desrespeitou a
sinalização de trânsito e atingiu um ônibus da Vicasa, provocando
acidente de grandes proporções. Muitas vítimas ajuizaram ações de
indenização contra a empresa de transporte, que fez acordos judiciais e,
depois, buscou o ressarcimento.
Para a 3ª turma, a
transação homologada judicialmente tem os mesmos efeitos de uma
sentença judicial. Conforme a decisão, na ação de regresso, o acordo
funciona como limite da indenização a ser paga, mas não vinculará o
responsável final, que pode discutir todas as questões tratadas no
processo anterior que estabeleceu a indenização (REsp 1.246.209).
Extravio de bagagem
Depois de
indenizar uma passageira que tinha seguro de viagem e teve a bagagem
extraviada, uma seguradora ingressou com ação regressiva contra a Varig
Logística, responsável pelo extravio. A Justiça de SP condenou a
companhia aérea a pagar o valor integralmente desembolsado pela
seguradora.
A Varig recorreu
ao STJ mas a decisão foi mantida. De acordo com a jurisprudência, depois
de arcar com a indenização securitária, a seguradora assume os direitos
da segurada, podendo buscar o ressarcimento do que gastou, nos mesmos
termos e limites assegurados à consumidora. A Varig queria a aplicação
da Convenção de Varsóvia, que unifica as regras de transporte aéreo
internacional, inclusive trazendo valores das indenizações. Contudo, já
está consolidada no STJ a tese de que o tratado é inaplicável no caso de
responsabilidade do transportador aéreo pelo extravio de carga, de
acordo com o CDC (Resp 1.181.252).
Carga em navio
Quando há o
pagamento da indenização securitária, o STJ entende que a seguradora
sub-roga-se nos direitos e ações que seriam do segurado contra o autor
do dano, inclusive com aplicação do CDC. Esse tratamento, no entanto,
não se aplica ao transporte de mercadoria acertado entre o transportador
e a empresa que agrega essa mercadoria à sua atividade, uma vez que a
relação aí não é de consumo, mas sim comercial. Nessa hipótese, é de um
ano o prazo para que a seguradora ajuíze ação de regresso contra a
transportadora visando ao ressarcimento pela perda da carga.
A 4ª turma
considerou prescrita ação regressiva ajuizada pela AGF Brasil Seguros
contra a Mediterranean Shipping Company, que entregou com avaria
máquinas de costura industriais importadas dos Estados Unidos. A carga
foi molhada. Reformando decisão da Justiça do RJ, a turma afastou a
aplicação do CDC e julgou a ação regressiva extinta por prescrição (Resp 1.221.880).
Razoável duração do processo
A denunciação da
lide é muito utilizada pelos demandados em ações de indenização, na
tentativa de evitar o pagamento e posteriormente buscar o ressarcimento
pelo efetivo responsável pelo dano em uma ação regressiva. Contudo,
frequentemente esse pedido é negado em atendimento ao princípio da
razoável duração do processo, previsto no artigo 5, inciso LXXVIII, da
CF.
A tese foi
aplicada no julgamento de um REsp no qual se buscava a denunciação da
lide à União. A ação inicial é de indenização por evicção, perda,
parcial ou total de um bem por reivindicação judicial do verdadeiro dono
ou possuidor. Uma mulher que comprou um veículo BMW usado e, ao tentar
vender o carro, foi impedida por existirem restrições no Detran devido a
irregularidades na importação. Ela descobriu que o carro circulava por
força de liminar deferida em MS impetrado pela empresa importadora. O
processou terminou com indeferimento do pedido e com a revogação da
liminar, devendo o carro ser entregue à Receita Federal.
Na ação de
indenização contra a pessoa que lhe vendeu o carro, a mulher pediu a
restituição de R$ 24 mil, valor pago pelo veículo em 2003. Tiveram
início sucessivos pedidos de denunciação da lide, pois antes de ser da
autora da ação, o carro passou pelas mãos de outros quatro
proprietários. O recurso analisado pelo STJ é do primeiro comprador. Ele
pretendia a denunciação da lide à União, tendo em vista que a empresa
importadora é insolvente devido a diversas execuções fiscais que
responde perante a JF. Alegou ser necessária a participação da União e
sua condenação solidária com a empresa importadora, pois teria realizado
apreensão ilícita, causando danos a terceiros.
Processo principal
O pedido foi
negado pela Justiça estadual, o que motivou o recurso ao STJ, requerendo
que o caso fosse analisado pela JF, por força do que determina a súmula
150 da Corte Superior: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a
existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo,
da União, suas autarquias ou empresas públicas".
A 3ª turma não
aplicou a súmula ao caso, pois entendeu que o litígio contra a União é
demanda acessória, que deve ser enfrentada em ação autônoma. Para eles, a
eventual ilicitude da apreensão do veículo e a legalidade dos atos do
ente federal são temas que fogem totalmente ao interesse da ação
principal, onde se discute apenas a ocorrência da evicção, pela validade
dos negócios jurídicos de compra e venda entre as partes.
Os ministros
priorizaram o maior interesse do processo principal e do direito
fundamental das partes a um processo com razoável duração. A decisão
ressalta que a denunciação da lide só se torna obrigatória, na forma do
artigo 70 do CPC, na hipótese de perda do direito de regresso, o que não é a situação do caso julgado (AgRg no Resp 1.192.680).
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