Quase que escondido na lei 12.424/11, que trata do Programa "Minha casa, Minha Vida", foi instituída no Brasil nova modalidade de usucapião, que terá como marco inicial o abandono de lar por um dos cônjuges:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.§ 2o (VETADO).” (NR)
A regra excepciona o Art. 197, I, do CCB/02 que impede o transcurso do prazo prescricional na vigência da sociedade conjugal, permitindo que o cônjuge que permaneceu no imóvel adquira a parcela do outra na meação, ou mesmo o próprio imóvel.
A norma encontra-se em vigor desde o dia 17/06/2011, mesmo para os casais separados anteriormente à sua vigência, que, contudo, não poderão computar o prazo anterior para a aquisição da propriedade.
A norma suscita polêmica e sofre contestação dos especialistas em direito de família.
Abaixo a posição de Maria Berenice Dias, publicada no Correio Braziliense:
Por: Maria Berenice Dias |
Correio Braziliense - 14/07/2011 |
Boas intenções nem sempre geram boas leis. Não se pode dizer outra coisa a respeito da recente Lei nº 12.424/2011, que, a despeito de regular o programa Minha Casa, Minha Vida com nítido caráter protetivo, provocou enorme retrocesso. A criação de nova modalidade de usucapião entre cônjuges ou companheiros representa severo entrave para a composição dos conflitos familiares. Isso porque, quando um ocupar, pelo prazo de dois anos, bem comum sem oposição do que abandonou o lar, pode se tornar seu titular exclusivo (Código Civil, 1.20-A). Quem lida com as questões emergentes do fim dos vínculos afetivos sabe que, havendo disputa sobre o imóvel residencial, a solução é um afastar-se, lá permanecendo o outro, geralmente aquele que fica com os filhos em sua companhia. Essa, muitas vezes, é a única saída, até porque vender o bem e repartir o dinheiro nem sempre permite a aquisição de dois imóveis. Ao menos assim os filhos não ficam sem teto e a cessão da posse adquire natureza alimentar, configurando alimentos in natura. Mas agora essa prática não deve mais ser estimulada, pois pode ensejar a perda da propriedade no curto período de dois anos. Não a favor da prole que o genitor quis beneficiar, mas do ex-cônjuge, o companheiro. De forma para lá de desarrazoada a lei ressuscita a identificação da causa do fim do relacionamento, que em boa hora foi sepultada pela Emenda Constitucional nº 66/2010 que, ao acabar com a separação, fez desaparecer prazos e atribuição de culpas. A medida foi das mais salutares, pois evita que mágoas e ressentimentos — que sempre sobram quando o amor acaba — sejam trazidas para o Judiciário. Afinal, a ninguém interessa os motivos que ensejaram a ruptura do vínculo que nasceu para ser eterno e feneceu. Mas o desastre provocado pela nova lei tem outra dimensão. Para atribuir a titularidade do domínio a quem tem a posse, sempre houve a necessidade de identificar sua natureza. Ou seja, para adquirir a propriedade o possuidor precisa provar aminus domino, isto é, que exerce a posse como se dono fosse. No entanto, nesse novo usucapião o que se perquire é a causa de um dos cônjuges ou companheiros ter se afastado da morada comum. Desse modo, se houve abandono do lar, o que lá permanece torna-se proprietário exclusivo. Da novidade só restam questionamentos. O que significa mesmo abandonar? Será que fugir do lar em face da prática de violência doméstica pode configurar abandono? E se um foi expulso pelo outro? Afastar-se para que o grau de animosidade não afete a prole vai acarretar a perda do domínio do bem? Ao depois, como o genitor não vai ser tachado de mau pelos filhos caso manifeste oposição a que eles continuem ocupando o imóvel? Também surgem questionamentos de natureza processual. A quem cabe alegar a causa do afastamento? A oposição há que ser manifestada de que forma? De quem é o ônus da prova? Pelo jeito a ação de usucapião terá mais um fundamento como pressuposto constitutivo do direito do autor. Além disso, ressuscitar a discussão de culpas desrespeita o direito à intimidade, afronta o princípio da liberdade, isso só para lembrar alguns dos princípios constitucionais que a viola ao conceder a propriedade exclusiva ao possuidor, tendo por pressuposto a responsabilidade do cotitular do domínio pelo fim da união. Mas qual a solução para evitar a penalidade? Por cautela devem cônjuges e companheiros firmar escritura reconhecendo não ter havido abandono do lar? Quem sabe antes de afastar-se, o retirante deve pedir judicialmente a separação de corpos? E, ainda que tal aconteça, não poderá aquele que permaneceu no imóvel questionar que o pedido mascarou abandono? Pelo jeito será necessário proceder a partilha de bens antes do decurso do prazo de dois anos. Mas talvez se esteja simplesmente retomando o impasse originário: vender o bem ainda que a metade do valor apurado não permita a aquisição de um imóvel. Com certeza outras dúvidas surgirão. Mas a resposta é uma só. A lei criou muito mais problemas do que uma solução para garantir o direito constitucional à moradia. |
Um comentário:
Esta lei serve para casais casados no papel? Meu pai, depois de treze anos, quer a venda da casa. Minha é totalmente debilitada. Eu posso entrar como minha defesa utilizando este artigo?
Postar um comentário